Depois
de uma última passada na Sala Precisa, Honey foi para os dormitórios, trazendo
consigo o que parecia ser uma caixa de vidro. O lado bom de matar aulas era
saber que não seria seguida por Enrik. Sentou em sua cama e começou a lançar
uma série de feitiços sobre a caixa. Eram muitos encantamentos, mas Honey os
recitava tão rápido que era impossível distinguir as palavras que usava.
Quando
terminou, escondeu a caixa dentro de seu malão e pegou um pedaço de pergaminho.
Escreveu uma carta curta e a releu várias vezes, fazendo uma careta como quem
diz “Isso deve servir”. Rasgou outro pedaço de pergaminho, desta vez bem menor,
e também escreveu nele. Saiu do salão comunal, tomando cuidado para não ser
vista pela inspetora, e chegou ao corujal, de onde enviou uma das cartas para o
Ministério da Magia.
Honey
tinha certeza de que, se fosse humana, estaria suando, mas ainda tinha uma coisa
a fazer. Discretamente, foi para a sala de aulas abandonada que Claire usava
para pintar. Deu uma olhada pela fresta da porta antes de entrar, para se
certificar de que Claire não estava lá. Pisando leve, entrou, cercando-se de
cavaletes cobertos por panos fantasmagóricos. Espiando por baixo das toalhas,
localizou “A Boneca e os Segredos Bem Guardados” e lá deixou o bilhete menor. Agora
vinha a pior parte: esperar. Depois disso, finalmente seria o fim.
Honey
esperou no quarto até que as outras crianças voltassem para se preparar para o
jantar. Discretamente, tirou a caixa de vidro do malão e foi para o Saguão. Era
fácil despistar Enrik no meio daquela multidão faminta. Antes de sair do
castelo, deu uma última olhada em volta e lançou mais dois feitiços na caixa.
Um para que ela flutuasse ao seu lado e outro de desilusão, tornando-a
invisível. Quando viu o último aluno entrando no Salão Principal, se esgueirou
para a noite fria.
Chegou à orla da Floresta Proibida e lá estava
a raposa, sempre à espreita. Honey fez um sinal para a animaga segui-la, dando
a entender que não poderia entregar a jóia lá fora. Saltitando com suas patas de
raposa, Marjorie a seguiu até perto do castelo, mas não chegou a entrar. Honey
virou-se de súbito, apontando a varinha.
-
Petrificus totalus!
A raposa endureceu feito
um animal empalhado, mas não permaneceria na forma animal por muito tempo.
Antes que a animagia fosse anulada pelo feitiço, Honey agarrou o ar e alcançou
a caixa invisível. Colocou a raposa dentro e encerrou o feitiço de desilusão.
Os feitiços da caixa impediriam que Marjorie voltasse à forma humana, mas Honey
não estava certa sobre quanto tempo seus feitiços iam resistir aos poderes de
uma bruxa tão perigosa.
Rapidamente,
entrou no Salão Principal. Olhou de esguelha para a mesa da Sonserina e não viu
Claire em nenhum lugar. Estava certa, ela tinha ficado o dia todo no quarto,
talvez chorando.
Honey
subiu ao palanque, onde ficava a mesa dos professores. Pouco a pouco, o barulho
dos talheres diminuiu até parar e o olhar de alunos e professores caiu sobre a
menina de cabelo verde que segurava uma raposa dentro da caixa. A velha
diretora começou a se levantar, mas Honey falou primeiro.
-
Diretora McGonagall, posso dar um recado rápido? É muito importante.
A
diretora hesitou um pouco, olhando para a raposa, mas assentiu. Ninguém do
Ministério da Magia havia chegado – Honey nem sabia se teriam levado sua carta
a sério -, mas não dava para esperar. Apontou a varinha para a própria
garganta, aumentando o volume da voz, e começou a falar.
-
Já fomos apresentados uma vez, mas acho melhor fazer isso direito. Meu nome é
Honey Song e eu não sou uma estudante transferida, como fiz parecer. Na
verdade, sou uma boneca.
O
salão se encheu de murmúrios, tanto de alunos quanto de professores.
- Ou melhor, eu sou uma alma presa no corpo de uma boneca.
Exclamações
e até risadas fizeram coro aos murmúrios.
-
Quem fez isto comigo foi uma bruxa extremamente poderosa que todos aqui
conhecem bem. O que ninguém sabe é que ela é praticante de arte das trevas e se
aventura pelos perigosos feitiços da ressurreição!
-
Já chega, senhorita Song! – interrompeu a diretora. – Que tipo de brincadeira é
essa?
-
Eu bem que gostaria que fosse brincadeira, diretora, mas não é. Por favor, me
deixe terminar, não temos muito tempo!
-
A senhorita por acaso tem alguma prova de tudo o que está dizendo? Quem é essa
bruxa?
-
É claro que eu tenho! Está bem aqui, mas me deixe terminar!
Antes
que a garota pudesse juntar fôlego para terminar a explicação ou que a diretora
pudesse voltar os olhos para a raposa na caixa, o vidro se rompeu nas mãos de
Honey, dando lugar a uma nuvem de fumaça. Diante dos olhos de todos, a raposa
se transformou em bruxa.
-
Marjorie Malfoy! – exclamou a diretora.
-
O que ninguém sabe é que o enorme poder que Marjorie Malfoy possui veio de
feitiços macabros. – continuou Honey, em um só fôlego, tirando a varinha dos
bolsos. – Ela ofereceu a vida da própria filha em troca do poder de um dos
bruxos mais perigosos que já existiu, Gellert Grindelwald! Só que ela não cedeu
a vida da filha por completo. Na verdade a guardou para realizar a segunda
parte de seu plano: trazer de volta o poder de Lorde Voldemort! Foi por isso
que ela me infiltrou em Hogwarts, para roubar a...
Mas Honey não conseguiu
terminar de falar. Em um movimento rápido, antes mesmo que a diretora ou algum
dos professores pudesse erguer a varinha, Marjorie apontou a própria varinha
para o teto do salão e lançou um feitiço não verbal que encheu o ar com um clarão
e um barulho ensurdecedor. Honey fechou os olhos e tampou os ouvidos, mas
quando tornou a abri-los, todos no salão estavam caídos no chão. Mortos ou
desmaiados? Ela não sabia dizer. A única que permanecia em pé, além dela, era a
própria Marjorie, com a expressão mais ameaçadora que a boneca já havia visto. Antes
que tivesse a chance de apontar sua varinha, Honey se viu atingida por uma
rajada de luz no meio da barriga, que tirou seus pés do chão violentamente.
Por
um momento, achou que estava morta, mas sua consciência voltou quando seu corpo
se chocou com a parede, do outro lado do salão, fazendo um barulho de porcelana
que se estilhaça. Quando seus joelhos atingiram o chão, se deu conta de que
várias rachaduras se espalharam por todo seu corpo. Levantou a cabeça e, antes
que pudesse encontrar a bruxa com os olhos, a mesa da Grifinória voou em sua
direção, esmagando-a de volta contra a parede.
Tremendo,
se arrastou para fora dos escombros, só então percebendo que seu braço esquerdo
e parte de seu tronco não existiam mais. Era só um corpo de boneca, afinal.
Os
pés de Marjorie surgiram ao seu lado e chutaram seu rosto. Sentiu o corpo ser
levantado do chão e passou a flutuar pelo salão, sem conseguir se mover. Girou
muito rápido, várias vezes, até parar de frente para a bruxa ruiva.
-
Garota estúpida. Achou mesmo que podia contar com a proteção de Hogwarts para
me enfrentar?! Nem mesmo centenas de pessoas são páreas para mim, você já
deveria saber disto!
-
O que vai fazer? – Honey conseguiu encontrar um fio de voz no fundo da
garganta. – Me matar? Pois mate logo.
-
Eu não vou te matar, não sou tão piedosa assim. Você sabe que preciso da sua
alma para me tornar uma bruxa definitivamente invencível. Aí sim, se não
encontrar mais nenhuma utilidade para você, te matarei.
Então
a bruxa fez um movimento com a varinha que lançou Honey ao chão, a força do
impacto fazendo-a derrapar por alguns metros, colidindo com os corpos imóveis
dos outros alunos. Quando conseguiu abrir os olhos, não sabia mais em que parte
do salão estava, mas percebeu, ao levar a mão à cabeça, que parte de seu crânio
havia se quebrado.
-
É uma pena você não ter aproveitado as boas oportunidades que te dei, garota. –
disse Marjorie, enquanto se aproximava. – Eu te dei tudo. Um novo corpo, uma
nova vida. Minha confiança!
Uma
bola de fogo voou na direção de Honey, fazendo-a se chocar contra a mesa dos
professores.
-
Mas você sempre me decepciona, Jean Rose. Tudo o que você precisava fazer era
cumprir sua missão. – os saltos do sapato de Marjorie ressoavam pelo salão,
cada vez mais próximos. – Era pedir muito? Era exagero pedir que você ajudasse
sua própria mãe?!
- Você não é uma mãe. – murmurou Honey, sem conseguir se
mover. – Você é um monstro.
-
Você não sabe o que é um monstro. – respondeu a bruxa, parada ao seu lado. – Eu
te dei um corpo. Permiti que você vivesse junto com sua filha. E o que recebi
em troca? Mais ingratidão. Como se não tivesse bastado toda a vergonha que você
me causou ao se casar com aquele sangue-ruim!
-
Oldwin. Você o matou. – Honey queria chorar, mas não conseguia. – Deveria ter me
deixado morta, junto com ele.
-
Acho que deveria mesmo. Olhe quanto problema você tornou a me causar! –
retorquiu Marjorie, agora pressionando o pescoço da boneca com a ponta do
sapato. – Mas eu já vou consertar isto. Como não posso te matar, vou apenas
tirar seu corpo, já que você despreza tanto este que te dei. Não vou mais ser
tão generosa. Vou selar sua alma em outro tipo de... recipiente.
A
palavra “recipiente” fez um calafrio percorrer o corpo de Honey. Marjorie,
lentamente, começou a erguer a varinha em sua direção. E nesse exato momento,
as duas ouviram a porta do salão se abrir e bater com força na parede.
-
Pare, Marjorie!
Era Claire, abraçada ao diário de Jean, acompanhada por
Enrik.
- Claire! Fujam, crianças, esta boneca é
perigosa! – gritou Marjorie. – Algo no meu feitiço deu errado e ela se tornou
maligna. Veja o que ela fez com seus...
- Eu já sei de toda a verdade! – interrompeu Claire, andando
na direção das duas, seguida por Enrik. – Minha mãe contou tudo em seu diário!
Você é um monstro!
Marjorie
revirou os olhos.
-
É mesmo, querida? Então devo presumir que duas crianças como vocês deveriam
ficar de fora para...
Antes
que a bruxa pudesse completar a frase, Enrik lançou um feitiço em sua direção.
Marjorie foi rápida o suficiente para desvia-lo, porém se surpreendeu com o seu
poder. Virou a varinha na direção deles para contra-atacar, mas foi atingida
por um conjunto de feixes de luz saídos do nada, lançando-a ao chão.
Marjorie
não conseguia ver de onde estavam vindo, mas uma explosão de feitiços caiu
sobre ela. Só então percebeu que as crianças não estavam sozinhas. Enquanto se
defendia, lançou um feitiço na direção das crianças e, um a um, os aurores,
antes protegidos pelo feitiço da desilusão, foram se revelando. E Enrik, por
sua vez, se transformou em uma mulher alta e sardenta. Era Erika Potter, a
chefe dos aurores.
-
Eu já deveria saber. – resmungou Marjorie. – Enfim vou ter o prazer de te
matar, sua intrometida.
Logo
o salão se viu tomado pelos clarões dos feitiços. Os quinze aurores estavam
tendo dificuldades contra a poderosa bruxa. Enquanto isto, Claire correu para
perto de Honey e empalideceu ao perceber o estado em que se encontrava.
-
Honey! Honey! – tentou reanimar a boneca, mas ela parecia desacordada. - Mãe!
Sem
pensar duas vezes, começou a executar todos os feitiços de cura e reparação que
conhecia. Só torcia para que a alma de sua mãe ainda estivesse no corpo da
boneca.
Agora
só sobraram cinco aurores em pé, contando com Erika.
-
Você nunca deixou de me perseguir, não é mesmo? – gritou Marjorie. – Colocou a
desmiolada da minha filha contra mim!
-
Foi a própria Jean Rose quem me procurou, Marjorie. – respondeu Erika,
rebatendo os feitiços. – E de desmiolada ela não tinha nada! Por duas vezes,
descobriu sozinha quais são suas verdadeiras intenções. Se não fosse por seu
diário, eu não teria conseguido ligar todos os pontos.
- E ainda assim é burra o suficiente para achar que pode me
enfrentar. Já chega!
Da ponta da varinha de Marjorie explodiu uma rajada de
energia tão violenta que cegou a todos por um momento. Erika se preparou para
rebater, mas no último instante o feitiço se ramificou em quatro e atingiu em
cheio os aurores restantes. Erika continuou em pé, mas seu milésimo de segundo
de hesitação custou-lhe a batalha. Antes mesmo que a luz do primeiro feitiço se
dissipasse, uma explosão de dor e luz a atingiu no peito, lançando-a alguns
metros de distância. Caída no chão, foi tomada pelo pavor ao perceber que não
conseguia se mover e que sua varinha desaparecera.
Antes que Marjorie pudesse conjurar o feitiço que tiraria
sua vida, entretanto, Claire largou o corpo inerte da boneca e apontou a
própria varinha para a avó, enquanto lágrimas pesadas escorriam dos seus olhos.
- Crucio!
Marjorie baixou a varinha e flexionou o corpo até abraçar os
joelhos, mas a maldição não fora suficientemente efetiva para causar-lhe mais
do que alguns segundos de dor. Enfurecida, esqueceu-se de Erika por um instante
e apontou para a neta.
- Como ousa?! – berrou, e o feitiço saiu de sua varinha
antes mesmo de pronuncia-lo. – Crucio!
Claire perdeu a noção do próprio corpo e tudo o que sabia é
que estava berrando e se contorcendo enquanto uma dor excruciante atravessava-lhe
a alma.
- Crucio! – gritou
Marjorie novamente e depois mais uma vez. Parecia ter sido tomada por uma
espécie de loucura, os olhos dementes fuzilando a neta enquanto ela se debatia
no chão. – Como ousa me trair dessa forma, Jean Rose?!
Erika fazia um esforço sobrehumano para se mover, sem
sucesso. Os aurores jaziam no chão, mortos. Claire se contorcia e seus berros
preenchiam o salão. O corpo de Honey Song, até então inerte, pareceu receber um
sopro de vida, seu único braço intacto estremeceu. Claire estava em perigo.
- Depois de tudo o que eu fiz por você! – berrava Marjorie.
– Crucio!
- Pare, Marjorie. – um sopro de voz vindo do palanque. –
Jean Rose está aqui.
Honey Song, um braço faltante, crânio estilhaçado e o resto
do corpo em vias de, tinha a varinha em punho. Marjorie se virou lentamente.
Agora Honey e Marjorie estavam apontando as varinhas uma para a outra. Em um
movimento repentino, Marjorie desapareceu do lugar onde estava e surgiu na
frente de Honey.
-
Crucio! – gritou Marjorie.
Honey
caiu no chão e estremeceu, mas no momento seguinte já estava apontando a
varinha para Marjorie.
-
Expelliarmus! – gritou a boneca. – Eu
não sinto dor, se esqueceu?
Marjorie
boquiabriu-se quando sua varinha voou longe. Por alguns segundos, o silêncio
imperou no salão. Por fim, Honey tomou uma decisão.
-
Avada Kedavra!
O
rosto de Marjorie foi tomado pela expressão de mais puro pavor quando o raio a
atingiu, derrubando seu corpo sem vida no chão. Porém, alguma coisa estava
errada. Honey derrubou a varinha e perdeu as forças que restavam.
-
Honey! – gritou Claire, indo ao seu encontro com dificuldade. – Honey, por que
você fez isso?! Matar a Marjorie é o mesmo que se matar! Sua vida é um
prolongamento da dela! Honey!
Claire
pegou Honey nos braços mais uma vez.
-
Claire. Desculpe por ter matado a única pessoa que você tinha.
-
Você está falando da Marjorie ou de você?
Honey
quase sorriu.
-
Eu não sou mais uma pessoa, Claire.
-
Não, você é muito melhor do que uma pessoa, mãe.
Por
fim, Honey sorriu e fechou os olhos. O fio de vida que persistia em seu corpo
de boneca se esvaiu e sua pele readquiriu a tonalidade da porcelana. Claire
deitou sobre o corpo e chorou. Pelo menos agora Jean Rose ganhara uma morte
verdadeira.
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